A (anciã) obsolescência do Sistema Educativo Português

Num mercado laboral progressivamente mais competitivo e, acrescendo à turbulência do contexto económico atual, tornou-se factual a necessidade (quase que imposta) de aquisição de competências de formação e desenvolvimento, por forma a construir quadros de sociedade qualificados e criadores de valor. Neste sentido, já não só basta obter um nível de escolaridade, mas antes o mercado de trabalho e empregabilidade direcionou-se para a procura de recursos humanos altamente especializados e polivalentes, aptos a atuar em contextos de ambiguidade e com urgência de rápida adaptação às controvérsias contingenciais, o que quer dizer que, assistimos na última década a uma transição natural para uma sociedade notoriamente estratificada, onde os indivíduos e famílias com melhor qualidade de vida, maiores rendimentos disponíveis e maior poder de compra, são tipicamente os mesmos que verificam maior prevalência de ensino superior completo e menor prevalência de intensidade laboral reduzida [Relatório Balanço Social, Nova SBE; 2020].

Inadvertidamente, a população com menor acesso à riqueza e rendimento revela-se igualmente aquela em que se verifica maior privação de acesso à internet e tecnologias digitais, dificultando-se ainda mais a obtenção de informação e literacia dos mesmos e, como tal, verificando-se a menor participação política e integração destes indivíduos na vida social [European Social Survey — ESS 9; 2018]. Agrava-se outrora a evidência dos factos, quando constatada a faixa etária coexistente com a maior taxa de pobreza, exatamente focalizada nos jovens entre os 16 e os 25 anos [INE, 2020].

Posteriormente, com o aparecimento da pandemia e todas as suas implicações na economia e na sociedade, as pessoas com rendimentos mais baixos, menor nível de escolaridade ou em regime de trabalho precário, assim como as empresas com desprezível grau de liquidez financeira, foram igualmente os mais afetados pelos efeitos nefastos da Covid-19, tanto ao nível da maior probabilidade de desemprego, como da maior perda de rendimento e agravamento do acesso a bens materiais de 1ª necessidade, tendo por isso registado uma maior procura de apoios estaduais ao emprego (Layoff e layoff simplificado). Contrariamente, os cidadãos com maior grau de qualificação e remuneração superior, foram os mesmos que não sofreram discrepâncias relevantes no nível de vida nem nas condições laborais anteriormente contratadas [Relatório Balanço Social, Nova SBE; 2020].

Quando disseminamos o conjunto de todos os dados até então referenciados, constatamos a centralidade ocupada pela questão das qualificações e da escolaridade da população, no que respeita ao seu impacto na estruturação da sociedade. Não se trata de uma questão frívola e efémera do atual contexto pandémico, mas antes esta deficiência efervesceu com o vírus e foi colocada forçadamente ao desnudo, fazendo denotar a sua natureza estrutural. Se por um lado, a capacidade de resposta e adaptação foi rápida e assertiva na medida do possível, recorrendo-se ao ensino à distância, às reuniões virtuais, aos exames online, às ferramentas digitais de ensino e, inclusive, à parceria com o canal televisivo RTP2 para transmissão dos conteúdos de ensino básico, por outro lado agravaram-se as desigualdades sociais, os desequilíbrios no acesso aos bens de ensino e equipamento tecnológico, nas condições de habitação necessárias à aprendizagem, na liberação de internet e conetividade e, principalmente, na qualidade das estratégias de lecionação. Novamente, os segmentos com menor rendimento disponível e os indivíduos com baixo grau de literacia são o reflexo espelhado do prejuízo da discriminação social na educação, um problema não só de agora, mas ancião em Portugal.

Ainda que limitados, professores e alunos colaboraram conjuntamente num esforço desmesurado para ultrapassar as barreiras desfavorecidas do distanciamento físico. O Zoom e o Teams substituíram as mesas e as cadeiras, os trabalhos de grupo que aliciavam as risadas por meio de brainstormings deram lugar às videochamadas, os computadores e os tablets desfiguraram o desfolhamento dos manuais, o peso das mochilas deflagrou no peso dos olhos e o nosso potencial cognitivo foi submetido à maior prova de esforço das incontáveis horas diárias ao ecrã: “E agora? Como vamos ensinar uma fórmula de juros compostos sem deduzir passo a passo as subsequentes equações para lá chegar, com uma demonstração no quadro? Como vamos praticar a regra do 4–3–3 sem dispor os futuros jogadores em equipas de futebol no campo da faculdade? Como vamos ensinar o abecedário aos mais pequenos sem praticar as mnemónicas consonânticas do “b-a-ba” à nossa frente? E os bailarinos? Quem os vai corrigir naquela execução mal feita do plie com a planta do pé descaída no solo?!” Professores, alunos, auxiliares e técnicos de educação deram o melhor de si no “salto ao eixo” da adaptação, abraçaram os novos desafios digitais e as estratégias disruptivas do combate ao confinamento.

Cansaço, cansaço e mais cansaço. Foi o que todos sentimos! Uma saturação inqualificável, um acréscimo de horas laborais, uma desconcentração promovida pela melancolia do aprisionamento em casa e a ansiedade e preocupação permanentes em face ao futuro e às retalias do vírus. Como diria um bom português, “caçámos com gato o que não podíamos caçar com cão”, pois os meios eram escassos e a dificuldade era acrescida, mas ainda assim procurou-se transformar os eventuais pontos fracos da ocasião em oportunidades inovadoras de aprendizagem. Claro está, que nem todos foram capazes de disputar no ranking competitivo do acompanhamento das tendências tecnológicas, mas na sua maioria os sucessos foram superiores aos fracassos.

Sistema Educativo Português — Estratificação | Fonte: Semana das Profissões

Repare-se conquanto, que contrariamente aos motivos mobilizadores do Ministério da Educação e coadjuvantes Secretários de Estado, as lacunas do Sistema Educativo Português não devem a sua culpa à pandemia ou incapacidade de cumprimento da totalidade das matérias a lecionar pelos docentes! O problema da educação em Portugal não reside no atraso dos prazos de avaliação ou dos conteúdos que ficaram por abordar, mas antes é já um panorama antiquado no que respeita à obsolescência que lhe adjaz. O escólio das qualificações está na excessiva burocracia dos conteúdos, nas teorias sem aplicabilidade prática, nos softwares de programação obsoletos e nas matérias profundamente desatualizados. As diretrizes para a vida em sociedade ficam descuradas, a instrução para o saber político é colocada de parte, a literacia financeira quotidiana completamente desvalorizada e a tão robusta inteligência emocional, oprimida pelos rótulos daqueles “que são malucos da cabeça”. Mais ainda, o upskilling digital é exclusivamente um bem de luxo para quem tem poder de compra e especialização profissional e a sustentabilidade e ecologia um tema de elite, demasiado complexo. Mas povo, são estes os pontos chave em que nos devemos debruçar! São estas as premissas em que se deve atuar e que vão ao encontro das exigências do mercado, da necessidade de reestruturação da vida social e do desenvolvimento económico, da melhoria de dever cívico e da ética e responsabilidade ambientais! São estas as oportunidades de cessação das obsolescências da educação e da aprendizagem da gestão de tempo para a melhoria da produtividade!

Defendia José Miguel Júdice, no Jornal da Noite da SIC Notícias, do passado dia 13 de julho, que “nivelar por baixo destrói a escola pública”. E destrói porquê? Porque reduzir os programas só vai conduzir a maior iliteracia, a maior ignorância, a menor preparação para o mercado laboral e a menor competitividade dos recursos humanos nacionais. Promover-se-ão as regalias do ensino privado, altamente dispendioso e alcançável excecionalmente aos patamares superiores do status quo, uma vez que aqueles que desejarem aprimorar as suas soft e hard skills vir-se-ão obrigados a desembolsar para obter os cursos e certificados adicionais, extrapolados dos programas nacionais de ensino público. A inovação e criatividade ficarão ofuscadas na estagnação dos aprendizados inócuos, as oportunidades visionárias ao nível profissional defecarão para os residentes e os nossos jovens não deixarão de ser o nicho registado de maior pobreza nacional. E compreende-se a razão — continuarão a faltar habilitações e a escolaridade, continuará a persistir o marasmo e a preguiça e sucumbirá a criação de valor, oferecida pelos recursos às organizações que os recrutarão!

Curiosos são também os relatos bem recentes da Sociedade Portuguesa de Matemática — SPM — relativamente ao grau de dificuldade do exame de matemática A do 12º ano, realizado na passada terça-feira, em face aos exames do período homólogo de 2020 [O Público; sociedade, 2021]. O elemento de avaliação foi classificado como mais difícil em que medida? E se assim foi, com que propósito? Barrar a entrada dos estudantes ao ensino superior?! Corroborar a frustração daquelas que se afligiram para conseguir terminar o ano letivo atípico?! Os exames não precisam de ser mais difíceis, precisam de ser mais exigentes, mais criteriosos e mais valorativos quanto às temáticas que se pretendem que sejam retidas e não só mecanizadas para uma prova de 2 horas, com a intenção instrumental de uma nota positiva parasitada por uma automática posterior amnésia, no dia seguinte ao exame.

Não se trata de reduzir os conteúdos ou sequer de dificultá-los, outrora de reabilitar os programas de educação! Os jovens precisam de ser instigados com mais e mais formação; com desenvolvimento e qualificações úteis; com competências de trabalho práticas, mas igualmente com competências pessoais; com os valores deontológicos de uma vida em sociedade eticamente correta e com o progresso intelectual, estimulado por ambiciosos desafios e projetos; pela capacidade de resolução de problemas e pelo pragmatismo requerido para obtenção da verdadeira emancipação juvenil! Repare, se futuramente o seu supervisor lhe propuser 6 horas diárias de trabalho, geridas flexivelmente de acordo com a sua vontade, destinadas a tarefas e informação diversificada, dinâmicas interpessoais e novos desafios negociais, o leitor sentir-se-á mais motivado e envolvido para o trabalho ou, pelo contrário, preferirá 8 horas por cada dia, com um emprego rotineiro e enfadonho, uma semana totalmente monótona e uma supervisão excessivamente restritiva relativamente aos seus níveis de produção?! Certamente, escolherá a primeira opção!

É assim que devemos entender o Sistema Educativo Português, colocá-lo num papel de destaque e alavancá-lo coniventemente com os requisitos que o mercado espera de nós. Relembre-se que “menos às vezes é mais”, mas “menos às vezes também pode ser menos”, passo o pleonasmo. No meu ponto de vista, reduzir anos de escolaridade e níveis de formação, só tornará a população mais desqualificada e desvalorizada, cultivará o marasmo e descapacitação e contribuirá para essa tal catástrofe de desigualdade social. Aposte-se na revalorização do ensino, numa nova utilidade, numa componente prática e balanceada e no acompanhamento das novas tendências da atualidade, sejam elas a digitalização, a economia sustentável, a bolsa e o mercado de investimentos, o coaching e a inteligência emocional, a robotização e a industria 4.0, a instrução ética e política, o mercado à habitação, a cultura e o desporto, os cursos de especialização técnica e profissional ou o tão contemporâneo e popularizado empreendedorismo!

Se parar para refletir na utilidade das duas opções que lhe coloco em cima da mesa, creio não haver gaguez de resposta: Sabe o que é a Teoria da Borboleta, relativa a Mercados e Operações Financeiras? Não sabe, certamente não sabe e nem precisa de saber porque não a vai utilizar para absolutamente nada da sua vida futura! Paralelamente, se lhe perguntarem como pode mobilizar o reembolso do seu IRS, estou em crer que 80% dos leitores responder-me-ão igualmente que desconhece os instrumentos de capitalização. Não obstante, esta informação ser-lhe-ia muito mais viável e utilitária para aplicabilidade na sua vida quotidiana. Agora pergunte-se, qual das duas é ensinada na maioria dos 2º ciclos financeiros e económicos, do ensino superior? A primeira, é obvio! — Meus caros, não tem qualquer cabimento!!!

É urgente repensar e reestruturar o Programa de Aprendizagens do Ensino Português 21/23, porém no sentido de o enquadrar no upskilling sustentado para o novo paradigma do contexto económico e social à distância e não para os ilusórios enganos da redução de matérias, instigadoras da moinha habitual do povo português! E já agora, aproveito para lhe dizer que o seu reembolso do IRS pode ser (inteligentemente) reinvestido sob a forma de PPR — Plano Para a Reforma, certificados do tesouro, certificados de aforro ou os lucrativos fundos de investimento, sem reembolso de capital garantido [SIC Notícias; Contas Poupança, 2021] — reflita lá no que mudaria se isto lhe tivesse sido ensinado nos seus tempos de ensino secundário.